Saturday, April 30, 2011

Sarah Kubitschek

Já faz algum tempo que eu estou em casa, no meu quarto, vendo muitas pessoas vindo me visitar. Entre orações e pedidos de melhoras, os olhares dos meus amigos, vizinhos e colegas se alternam entre esperança, medo, pena e espanto.
Meus pais cuidam de mim, fazem coisas que havia deixado de fazer há muito tempo, como me dar comida, por exemplo.
Pesquisamos tratamento e com muita sorte e persistência conseguimos uma vaga para mim no Hospital de Referência em Reabilitação de lesão medular Sarah Kubitschek, em Brasília.
A ansiedade tomou conta de todos que estavam em minha volta, no entanto me restringirei a descrever a minha.
Sempre quis viajar de avião, mas nunca imaginei em tais condições, para tais fins.
Nenhuma pessoa, nenhuma família, programa sua vida e seu orçamento com um ponto na lista dizendo "fundo caso catástrofe", ou seja, não foi fácil conseguir dinheiro de última hora para comprar as passagens e pagar a hospedagem da minha mãe.
Família, novamente, ajudou, compreendeu e se uniu.
Meu pai levou a mim e minha mãe ao aeroporto, meu irmão também foi.
Recebi beijos e abraços dos dois enquanto minha mãe estava atrás da cadeira de rodas para me empurrar.

Olhei fixamente para o meu irmão. Ele tinha 15 anos, estava na fase de querer usar algumas roupas minhas para sair, mas elas ainda ficavam grande.
Ele me falou para sarar logo, que tudo vai dar certo e eu senti um pingo de tristeza na voz e decidi que não o deixaria mais triste, eu iria vencer para fazê-lo sorrir.

Entrei no avião, que sensação incrível! Todo mundo ficou pequeno lá de cima, parecia uma paisagem panorâmica de Sim City.
Aterrissagem tensa, impacto forte, treme tudo!
Agora estou em Brasília, um novo mundo para mim, para dar início ao meu caro e árduo tratamento para que eu volte a viver no meu velho mundo, aquele que eu jogava futebol de rua com meus amigos, ia para a faculdade e não preocupava as pessoas.

Tuesday, April 19, 2011

No quarto.

Era exatamente 15:00h do terceiro dia de auto exílio.
Na sala havia um homem sentado em um sofá cor de abóbora, aquelas "poltronas do papai". Em seu lado esquerdo havia um criado mudo que tinha como único objetivo de existência servir de lugar para o homem por seus óculos.
Os pés do homem estavam em cima de alguns livros que ele costumava ler quando ainda estudava. Os livros descreviam traços de personalidade inflexíveis, transtornos mentais, comportamentos e tratamentos.
"Eu poderia ter sofrido menos se soubesse de tudo isso antes" - pensou o homem.
Frase cômica, considerando que naquele exato momento ele chorava. Não era um choro escandaloso, daqueles que tem berros e cenas teatrais com as mãos, mas daqueles choros que só se vêem as lágrimas e só se sente o sofrimento ao observar o indivíduo.
Ele se abraçou no momento que cedeu a dor.
O homem passou a mão na barba de quinze dias, arrumando-a, e em seguida secou os olhos por debaixo dos óculos de armação azul.
Ele saiu da cadeira e foi até a porta, colocou a mão na maçaneta mas preferiu direcionar-se para o banheiro.
Lá ele viu quanto a tristeza mata a beleza, a juventude.
Ele não era feio, ele estava feio. Seus trinta e cinco anos parecem ter passado há vinte anos atrás. Seu roupão cinza escuro ajudava a confirmar a aura gótica em que ele estava inserido.
Passou água no rosto, molhou os cabelos e escovou os dentes. Ele não tinha acabado de sair da cama, ele estava somente tentando acordar, pensando que ao repetir o ritual matutino a sua mente interpretasse que estava na hora de começar a fazer o dia acontecer. No entanto não deu certo, em vez de se sentir mais vivo, sentiu-se apenas molhado.
Voltou para o sofá e antes de sentar-se tirou do assento um caderno de capa verde surrada. Na capa via-se escrito com letras de mão " Lembranças - 2001".
_É a terceira vez que eu leio isso... que merda!
Falou e ao mesmo tempo foi abrindo.
Na primeira página havia um breve prefácio, escrito:
"Eis aqui a tentativa de através das letras transportar para o papel o que me aflige o coração."
Continuou a folhear para relembrar quem ele era, o que ele era, naquela época.
Na primeira linha estava escrito "15 de junho".

Tuesday, April 12, 2011

Sociedade

Já pararam para pensar no quanto somos falsos com nós mesmos?
Nos seguramos, nos mutilamos internamente para não sofrermos mutilações externas.
A cada dia existem mais pessoas que entram na academia para emagrecer, mas que na verdade quer aquela picanha com uma cerveja gelada para acompanhar. Temos também moços dizendo amar, mas na verdade só querem transar ( me falem aqui qual relação afetiva, fora a familiar - e há excessões ainda!! - que não tenha conteúdo sexual). E as meninas, que também querem a mesma coisa, mas se revestem de sentimentos e condições sociais para se deixarem levar pelo desejo.
Até o desejo, coitado do desejo, se tornou um pecado em virtude das convenções sociais!
Agora me coloco a afirmar que a incongruência surge quando a vontade interna, do self, não condiz com o julgamento de certo no contexto social em que o sujeito está inserido.
A mesma sociedade que é dita como a acolhedora dos sujeitos, é a sua pior megera.