Tuesday, April 19, 2011

No quarto.

Era exatamente 15:00h do terceiro dia de auto exílio.
Na sala havia um homem sentado em um sofá cor de abóbora, aquelas "poltronas do papai". Em seu lado esquerdo havia um criado mudo que tinha como único objetivo de existência servir de lugar para o homem por seus óculos.
Os pés do homem estavam em cima de alguns livros que ele costumava ler quando ainda estudava. Os livros descreviam traços de personalidade inflexíveis, transtornos mentais, comportamentos e tratamentos.
"Eu poderia ter sofrido menos se soubesse de tudo isso antes" - pensou o homem.
Frase cômica, considerando que naquele exato momento ele chorava. Não era um choro escandaloso, daqueles que tem berros e cenas teatrais com as mãos, mas daqueles choros que só se vêem as lágrimas e só se sente o sofrimento ao observar o indivíduo.
Ele se abraçou no momento que cedeu a dor.
O homem passou a mão na barba de quinze dias, arrumando-a, e em seguida secou os olhos por debaixo dos óculos de armação azul.
Ele saiu da cadeira e foi até a porta, colocou a mão na maçaneta mas preferiu direcionar-se para o banheiro.
Lá ele viu quanto a tristeza mata a beleza, a juventude.
Ele não era feio, ele estava feio. Seus trinta e cinco anos parecem ter passado há vinte anos atrás. Seu roupão cinza escuro ajudava a confirmar a aura gótica em que ele estava inserido.
Passou água no rosto, molhou os cabelos e escovou os dentes. Ele não tinha acabado de sair da cama, ele estava somente tentando acordar, pensando que ao repetir o ritual matutino a sua mente interpretasse que estava na hora de começar a fazer o dia acontecer. No entanto não deu certo, em vez de se sentir mais vivo, sentiu-se apenas molhado.
Voltou para o sofá e antes de sentar-se tirou do assento um caderno de capa verde surrada. Na capa via-se escrito com letras de mão " Lembranças - 2001".
_É a terceira vez que eu leio isso... que merda!
Falou e ao mesmo tempo foi abrindo.
Na primeira página havia um breve prefácio, escrito:
"Eis aqui a tentativa de através das letras transportar para o papel o que me aflige o coração."
Continuou a folhear para relembrar quem ele era, o que ele era, naquela época.
Na primeira linha estava escrito "15 de junho".

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