Monday, June 27, 2011

Movimento

Se você é sedentário, sabe do que falarei agora:
Sabe quando você tenta encostar os dedos das mãos no pé, estando em pé, e não consegue, pois a coluna não dobra nem as pernas param de queimar de tanta dor?
Então, estou tão limitado quanto você, a diferença é que eu não sinto a queimação, mas pode acreditar, preferiria muito mais essa queimação que nada (que é o que tenho).
Mesmo com uma rotina de muitas fisioterapias os anos de cadeira acabam que enfraquecendo em demasia os músculos.
A rotina de exercícios é diária, para que assim os músculos continuem sendo exigidos, ajudando assim no meu processo de reabilitação.
Há mais ou menos um mês eu comecei a fazer uma fisioterapia "especial". Lá têm equipamentos que ajudam a desenvolver o movimento de forma precisa, o que começou a apresentar resultados incrivelmente significativos.
Para conseguir ilustrar o momento, imagine uma sujeito que está em uma cadeira de rodas há mais ou menos 5 anos conseguindo quase que sozinho pedalar uma bicicleta.
Eu estava indo todo dia para São Paulo fazer esse tratamento, gastando em média mil reais por semana.
Como um sujeito tetraplégico não consegue trabalhar, nem seus familiares conseguem ter uma vida sobre-humana para trabalhar mais e assim conseguir o dinheiro, eu tive que diminuir minhas idas ao tratamento.
Sequelas de acidentes, creio eu, não tem critério de escolha, geralmente vem quando há alguma imprudência antecessora. Mas isso não vem ao caso, o presente é que conta e no presente momento eu estou diminuindo o tratamento mais promissor á minha reabilitação em virtude da falta de capital para investimento.
Para não perder o que eu havia ganhado no tratamento em São Paulo eu comecei a fazer musculação adaptada. Como eu não tenho o movimento de pinça, eu uso de luvas especiais (meu pai é esperto, gente!) para conseguir segurar nos ferros.

Lembrei-me novamente de uma frase popular. Essas frases resumem pensamentos sociais que levaram séculos para serem minimizados em uma só frase.
"Só reconhecemos o valor das coisas quando as perdemos".
Você, leitor que anda, se move, é fisicamente independente, você não sabe MESMO o quão abençoado é um movimento voluntário.
Você escolher sair da frente do seu monitor, ir andando até a cozinha, pegar no armário um copo, abrir a geladeira, encher o copo e com a mão levar o copo até a boca, apreciar o friozinho da água acabar com sua sede ou com seu tédio.
De verdade, EU sei o valor disso.
Eu sei.

Foco e calma.

Provavelmente alguma vez n vida você já ouviu a frase "De grão em grão a galinha enche o papo".
Sabe o que ela quer dizer?
Diz respeito ao ato de economizar para assim obter algo que vá lhe satisfazer.
No entanto, nesses dias que se passarão, encontrei uma outra explicação.
Para mim esses ditado também fala sobre persistência e paciência. Ora ora, para a galinha encher o papo de grão em grão vai tempo, heim?!

Ultimamente estou assim. Não como um galinha, óbvio (rs rs). Estou calmo, com foco, persistente no que me dispus a fazer: Minha reabilitação.
Os exercícios apresentam resultados de forma lenta, porém são promissores.
A lentidão, sendo bem sincero, frusta, no entanto é uma frustação bem menor do que a de não andar.
Exercícios que doem, dinheiro que falta, o tédio, a dependência, tudo frusta, mas nada mais me desmotiva, porquê agora eu tenho uma meta a ser atingida: Melhorarei por mim e por todos aqueles que lutam junto comigo.
Cada sucesso, seja ele um pequeno movimento nos dedos na mãos, ou até um movimento voluntário na perna, são alavancas que junto com o amor que ganho de muitas pessoas, me impulsiona para a felicidade e realização.
Agora com essa calma e persistência que a vida, nesse momento tão duro, me ensinou a ter, eu lhes digo com toda a sinceridade que só pararei de lutar quando meu coração parar de pulsar.

Wednesday, June 15, 2011

Luta

Minha rotina agora é toda voltada para a minha recuperação.
Lutar e me esforçar é o mínimo que posso fazer diante todo o esforço que vejo minha família e alguns amigos fazerem por mim.
Sei que podem pensar que só porque estou com os movimentos limitados não consiga sentir os músculos. De fato algumas partes eu não sinto, mas as que sinto doem de forma descomunal nas fisioterapias.
A dor nesse instante não é sofrimento, pelo contrário, é alegria, pois melhor a dor que não sentir coisa alguma.
Vai por mim, eu sei muito bem o que é não sentir doer e sofrer por isso.
O músculo que mais dói ultimamente é o coração.
Eu vejo, eu sinto e percebo os progresso lento, mas existente, que tenho em todos os exercícios que faço, no entanto o coração se angustia com a demora, com os outros sentimentos que uma pessoa nessa mesma situação que eu começa a lidar.
Se você que está lendo não sabe do que estou falando, mencionarei alguns: Sentimento de Impotência diante as situações, muitas vezes de negação. Sentimento de total responsabilidade pelo quadro que está e pelo quadro que almeja alcançar.
O sofrimento no coração existe e existe nele também a esperança, o amor de todos a minha volta, o meu amor-próprio.
Os sentimentos quentes estão ficando mais fortes que os gélidos sentimentos angustiantes, e é isso que me dá forças de conseguir mexer minimamente um membro adormecido.

Palavras de apoio não me faltam, infelizmente o que me falta é capital para que eu possa aderir aos tratamentos que propõem melhores resultados.

Esses dias atrás meu pai comprou uma Tv a prestação e agora estamos rifando-a.
O dinheiro será revertido para o início de um tratamento que me dá chances significativas de voltar a passear com minha cachorra, fazer uma caminhada com meu irmão, voltar a ser mais independente, me permitirá bater uma bolinha com meus amigos.

Viver é de fato uma luta, uma guerra que travo todo o dia contra essa condição que estou, buscando voltar a condição que eu estava.

Tuesday, June 7, 2011

Motivação

Provavelmente você já ouviu ou viu aquelas frases bonitas de comercial, de músicas motivadoras, aquelas que dizem "nunca desista", "você é capaz de tudo!"

Lembro-me que antes dos acontecimentos que agora me prendem na cama ou na cadeira de rodas, eu não prestava muita atenção nessas frases.
Teve um tempo que eu até desacreditava delas, eu pensava "Certamente quem diz isso consegue ir atrás, andando, das coisas que quer."
Eu via na internet aqueles camaradas que se ferraram legal na vida, nasceram sem membros ou com algumas síndromes e mesmo assim seguem uma vida normal, que a grosso modo é uma vida espetacular, pois a normalidade da vida é oposta as dificuldades que ela mesmo impõe para ser normal.
Mas mesmo sem motivação e muito frustrado da vida, eu não desistia das fisioterapias e de todos os exercícios.
Sou adulto, sempre foi compreensível ver os meus pais saírem de perto de mim para falarem de contas. Eu tenho noção que todos os meus tratamentos envolvem dinheiro, dinheiro que não temos.
Meu pai que havia se aposentado voltou a trabalhar, meu irmão mais novo trabalha e ajuda muito não gastando nada dos meus pais. Minha mãe anda para lá e para cá atrás dos benefícios que um deficiente pode ter na sociedade.

Se um dia lhe disserem que são as dificuldades que vão nos tornando mais sensíveis, pode acreditar.
Fui me sentindo mal ao ver todo mundo ao meu redor batalhando por mim e eu isolado na minha tristeza.
O principal beneficiado será eu, logo eu tenho que ter forças, eu tenho que criá-las quando elas estivarem sumindo.
Percebi que agora eu sou o responsável por minha melhora, que as tratamentos sãos ferramentas essenciais para minha melhora, no entanto eu que tenho que batalhar!

E agora eu afirmo: Se você não lutar provavelmente não perderá, mas certamente nunca vencerá!

Thursday, May 12, 2011

Qualidades e defeitos.

Tenho a impressão que os anos que passam acabam que acentuando meus defeitos e diminuindo as minhas qualidades.
Talvez porque eu de fato seja os meus defeitos, que só são defeitos porque demais pessoas os vêm assim e falam isso. Penso que não temos defeitos, somente características, jeitos de interagir com o mundo.
O olhar do outro, ou o olhar para si mesmo,que dá a conotação de bom ou ruim para tais características.
Mas voltando aos defeitos e as qualidades...
Sinto que minhas qualidades eram somente os meus defeitos ainda não muito bem estruturados.
Meu romantismo era a manifestação da minha extrema carência.
A simpatia, expressão de baixa auto-estima.
A força, armadura para a vulnerabilidade.

Talvez eu tenha admitido os defeitos e assim tenha os tornado enfim as minhas características, partes integrantes da minha personalidade. Quem sabe também eu tenha me cansado de tentar impressionar e passei a apenas viver.

Bem, não sei ao certo o que me aconteceu, só sei que tudo isso me faz pensar em uma só frase:
"Admitir-se é o primeiro passo para entender o mundo."

Saturday, April 30, 2011

Sarah Kubitschek

Já faz algum tempo que eu estou em casa, no meu quarto, vendo muitas pessoas vindo me visitar. Entre orações e pedidos de melhoras, os olhares dos meus amigos, vizinhos e colegas se alternam entre esperança, medo, pena e espanto.
Meus pais cuidam de mim, fazem coisas que havia deixado de fazer há muito tempo, como me dar comida, por exemplo.
Pesquisamos tratamento e com muita sorte e persistência conseguimos uma vaga para mim no Hospital de Referência em Reabilitação de lesão medular Sarah Kubitschek, em Brasília.
A ansiedade tomou conta de todos que estavam em minha volta, no entanto me restringirei a descrever a minha.
Sempre quis viajar de avião, mas nunca imaginei em tais condições, para tais fins.
Nenhuma pessoa, nenhuma família, programa sua vida e seu orçamento com um ponto na lista dizendo "fundo caso catástrofe", ou seja, não foi fácil conseguir dinheiro de última hora para comprar as passagens e pagar a hospedagem da minha mãe.
Família, novamente, ajudou, compreendeu e se uniu.
Meu pai levou a mim e minha mãe ao aeroporto, meu irmão também foi.
Recebi beijos e abraços dos dois enquanto minha mãe estava atrás da cadeira de rodas para me empurrar.

Olhei fixamente para o meu irmão. Ele tinha 15 anos, estava na fase de querer usar algumas roupas minhas para sair, mas elas ainda ficavam grande.
Ele me falou para sarar logo, que tudo vai dar certo e eu senti um pingo de tristeza na voz e decidi que não o deixaria mais triste, eu iria vencer para fazê-lo sorrir.

Entrei no avião, que sensação incrível! Todo mundo ficou pequeno lá de cima, parecia uma paisagem panorâmica de Sim City.
Aterrissagem tensa, impacto forte, treme tudo!
Agora estou em Brasília, um novo mundo para mim, para dar início ao meu caro e árduo tratamento para que eu volte a viver no meu velho mundo, aquele que eu jogava futebol de rua com meus amigos, ia para a faculdade e não preocupava as pessoas.

Tuesday, April 19, 2011

No quarto.

Era exatamente 15:00h do terceiro dia de auto exílio.
Na sala havia um homem sentado em um sofá cor de abóbora, aquelas "poltronas do papai". Em seu lado esquerdo havia um criado mudo que tinha como único objetivo de existência servir de lugar para o homem por seus óculos.
Os pés do homem estavam em cima de alguns livros que ele costumava ler quando ainda estudava. Os livros descreviam traços de personalidade inflexíveis, transtornos mentais, comportamentos e tratamentos.
"Eu poderia ter sofrido menos se soubesse de tudo isso antes" - pensou o homem.
Frase cômica, considerando que naquele exato momento ele chorava. Não era um choro escandaloso, daqueles que tem berros e cenas teatrais com as mãos, mas daqueles choros que só se vêem as lágrimas e só se sente o sofrimento ao observar o indivíduo.
Ele se abraçou no momento que cedeu a dor.
O homem passou a mão na barba de quinze dias, arrumando-a, e em seguida secou os olhos por debaixo dos óculos de armação azul.
Ele saiu da cadeira e foi até a porta, colocou a mão na maçaneta mas preferiu direcionar-se para o banheiro.
Lá ele viu quanto a tristeza mata a beleza, a juventude.
Ele não era feio, ele estava feio. Seus trinta e cinco anos parecem ter passado há vinte anos atrás. Seu roupão cinza escuro ajudava a confirmar a aura gótica em que ele estava inserido.
Passou água no rosto, molhou os cabelos e escovou os dentes. Ele não tinha acabado de sair da cama, ele estava somente tentando acordar, pensando que ao repetir o ritual matutino a sua mente interpretasse que estava na hora de começar a fazer o dia acontecer. No entanto não deu certo, em vez de se sentir mais vivo, sentiu-se apenas molhado.
Voltou para o sofá e antes de sentar-se tirou do assento um caderno de capa verde surrada. Na capa via-se escrito com letras de mão " Lembranças - 2001".
_É a terceira vez que eu leio isso... que merda!
Falou e ao mesmo tempo foi abrindo.
Na primeira página havia um breve prefácio, escrito:
"Eis aqui a tentativa de através das letras transportar para o papel o que me aflige o coração."
Continuou a folhear para relembrar quem ele era, o que ele era, naquela época.
Na primeira linha estava escrito "15 de junho".