Saturday, July 31, 2010

A Margem.

Já era dia, na verdade o relógio já marcava PM. O homem de barba por fazer acorda desanimado para viver, deseja vagamente não ter acordado e dá um safanão nesse pensamento -"é pecado pensar em morrer"- ele pensou. Foi ao banheiro, olhou-se no espelho e não gostou do que viu, achou que cortando a barba melhoraria a imagem, mas sentiu que o estético nada mais era que a manifestação do que era interno; ele estava estragado por dentro, e não era só o fígado pelas bebidas, era a alma por sofrimentos.
Mesmo destroçado pela depressão, sem forças para sorrir, ele tomou sua dose de café da manhã de vodca, comeu uma esfiha de fast-food, tomou banho e se arrumou para ir ao trabalho. Como de costume, foi dirigindo.
"Mais um dia" ele pensou e começou a fuçar nas estações do rádio; nenhuma música estava lhe agradando. Foi mexendo, fuçando, mudando e não percebeu que o caminhão na sua frente freiou para não levar multa. O jovem sentiu seus ossos sendo triturados enquanto a lataria ia vagarosamente amassando com o impacto. O vidro trincou bem onde sua cabeça bateu, o desatento esqueceu do cinto, o sangue jorrou em sua roupa clara. O caminhoneiro saiu imediatamente e lhe ofereceu os devidos socorro, o chamou e o jovem só conseguia grunir de dor. A ambulância chegou rápido, cerca de dez minutos, mas a falência por perda de sangue foi mais rápida que os 130Km/h que a ambulância correu para tentar salvar o moço.
Nesse tempo de angústia o jovem pensou e percebeu o quanto era rápido morrer. Percebeu o quanto todos os humanos ficam uma vida inteira arranjando meios de se eternizar -seja por filhos, família, dinheiro, bens materiais, memórias, frases...- e que o fim dessa ilusão de eterno vem em menos de um milésimo. " A margem entre a vida e a morte é de um milésimo", ele resmungou para si mesmo.
Para um cara que já estava se lixando para a vida, morrer até que não pareceu algo tão ruim, contuto ele pensou na eternidade que a nossa finitude nos trás. "Nunca mais" era o que se seguia para "ver os amigos", "abraçar quem amo", "alegrar-me com meu cachorro", "beijar aquela mocinha", "almoçar com meus pais". Tudo para ele estava acabando junto com seus batimentos cardíacos, tudo ficaria só na memória.
"Mas que memória um morto tem?", foi o que lhe passou pela cabeça antes dele sorrir e fechar os olhos, ele achava sem educação aqueles mortos que nem se deram ao trabalho de fechar os olhos para morrer, parecia que não queria largar esse mundo. Ele, para ele, não seria um desses. Fechou os olhos e sorriu, agradecendo à Deus a linda vida que teve e que até milésimos antes estava reclamando em ter.

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